Sobre a constituição do crédito tributário e o lançamento
A Constituição Federal reservou para lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. (CF, Art. 146).
A única lei complementar (por recepção) que dispõe sobre constituição do crédito tributário é o CTN:
CTN, Art. 142 Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Assim, estabelece o Art. 142 que:
a) A constituição do crédito tributário compete à autoridade administrativa. Não há possibilidade de o crédito ser constituído por qualquer outro agente, seja ele público ou particular. O crédito tributário não pode ser constituído pelo sujeito passivo.
b) O lançamento é o único procedimento que constitui o crédito tributário. Se há um crédito tributário, então houve um lançamento.
Não se confunda o “exercício da competência”, – a constituição do crédito –, com o “ato correspondente ao exercício da competência”, – o lançamento.
A competência para constituir o crédito tributário é “privativa” e, portanto, delegável (Lei federal nº 9.784/99, Arts. 11, 12 e 13).
José Afonso da Silva: “…A diferença que se faz entre competência exclusiva e competência privativa é que aquela é indelegável e esta é delegável. Então, quando se quer atribuir competência própria a uma entidade ou a um órgão com possibilidade de delegação de tudo ou de parte, declara-se que compete privativamente a ele a matéria indicada. (O Dr. José Afonso da Silva foi Professor Titular da Faculdade de Direito da USP de 1975 a 1995)
Então, por ser “privativa” a competência para constituir o crédito tributário, o ato correspondente ao exercício da competência – o lançamento – pode ser executado por qualquer pessoa a quem a autoridade administrativa, tenha, por lei, dado poderes para tanto.
Modalidades de lançamento
O CTN estabelece três e apenas três modalidades de lançamento:
a) Art. 149: lançamento de ofício, que é feito pelo Fisco. Exemplos: lançamento de IPTU e de autos de infração.
b) Art. 147: lançamento por declaração, que é feito pelo Fisco. O sujeito passivo, ou terceiro, declara a ocorrência de um fato gerador (matéria de fato) e o Fisco, com base na declaração, lança o tributo devido.
c) Art. 150: lançamento por homologação, que é feito pelo sujeito passivo. Essa é a modalidade de lançamento mais comum. É utilizada na arrecadação dos principais tributos brasileiros: o IPI e o ICMS.
Exemplos de lançamentos por homologação
Lei do IPI – Lei federal 4.502/64:
Art. 19. O imposto será lançado pelo próprio contribuinte:
II – na nota fiscal:
Art. 20…
Parágrafo único. O lançamento é de exclusiva responsabilidade do contribuinte.
Lei do ICMS-SP – Lei estadual 6.374/89:
Art. 35 – O lançamento do imposto é feito nos documentos e nos livros fiscais ….
Parágrafo único – Essa atividade é de exclusiva responsabilidade do contribuinte, ficando sujeita a posterior homologação pela autoridade administrativa.
Note-se que as citadas leis não mandam o contribuinte constituir o crédito tributário, o que conflitaria com o CTN, pois apenas a autoridade administrativa pode constituir o crédito tributário. Mas mandam o contribuinte fazer o lançamento.
Para que o crédito tributário seja constituído por lançamento feito pelo sujeito passivo é necessário que haja lei que, na medida em que atribua ao sujeito passivo o dever de fazer o lançamento, dá-lhe poder para isso. Quem deve, pode. É o caso dos exemplos acima.
Note-se que no casamento por procuração, quem assina o livro dos casamentos no cartório é o procurador do noivo, mas quem se casa é o noivo.
Da mesma forma, quem lança o IPI e o ICMS é o sujeito passivo, mas quem constitui o crédito tributário é a autoridade administrativa, pois o sujeito passivo estará agindo em nome dela, como delegado dela.
Melhor seria se o “lançamento por homologação” fosse chamado de “lançamento por delegação”.
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Entendendo o lançamento por homologação
CTN, Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
Note-se que a principal característica do lançamento por homologação é que o Fisco só toma conhecimento da ocorrência do fato gerador quando recebe o pagamento do tributo correspondente.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
Há erro na redação do § 1º. Entenda-se “condição resolutória da ulterior não homologação ao lançamento”.
Se o pagamento antecipado extingue o crédito, então existia o crédito.
Se existia o crédito, então houve um lançamento, que é o único ato capaz de constituir o crédito.
Por outro lado, se há previsão para a homologação do lançamento, então houve um lançamento que foi feito pelo sujeito passivo, pois lançamento feito pelo Fisco não precisaria ser homologado pelo próprio Fisco.
Por outro lado ainda, é o lançamento que determina o valor do tributo a pagar. Então, para saber qual é o valor a pagar, o sujeito passivo precisa fazer o lançamento.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Não se confunda o prazo de cinco anos contados ocorrência do fato gerador com prazo de decadência do direito de o Fisco lançar de ofício complemento do lançamento feito pelo sujeito passivo.
O Fisco não pode lançar complemento após o prazo do § 4º não por que tenha ocorrido a decadência, mas por razão de segurança jurídica do sujeito passivo: se o lançamento está homologado e definitivamente extinto o crédito, o Fisco não pode fazer mais nada em relação ao fato gerador objeto desse lançamento.
Note-se que o § 4º autoriza a lei (de qualquer tipo) a fixar o prazo para a homologação por decurso de prazo. Assim, lei municipal, por exemplo, poderia estabelecer que, naquele município, o prazo para a homologação tácita será, digamos, 20 anos. Se esse prazo fosse decadencial, teríamos lei ordinária dispondo sobre decadência tributária, o que é absurdo, pois decadência tributária é matéria reservada para lei complementar.
Note-se ainda que, a lei hipotética acima seria inócua, pois transcorridos cinco anos contados do primeiro dia do ano seguinte ao da ocorrência do fato gerador ocorre a decadência (CTN, Art. 173), que impede lançamentos complementares mesmo se for comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação e mesmo que ainda não tenha ocorrido a homologação por decurso do prazo hipotético de 20 anos.
Lançamento por homologação e lançamento por declaração
No “lançamento por declaração” quem faz o lançamento é o Fisco, com base na declaração de matéria de fato prestada pelo sujeito passivo ou por terceiro. O sujeito passivo paga o tributo devido depois da participação do Fisco, o que diferencia essa da modalidade “por homologação”.
O lançamento por declaração precisa ser aperfeiçoado pela notificação de lançamento e pode ser impugnado pelo sujeito passivo. Se não há notificação de lançamento, não há dívida tributária.
No “lançamento por homologação” o sujeito passivo declara o fato gerador e valoriza a obrigação tributária lançando o tributo devido para poder pagar a dívida tributária antes de qualquer participação do Fisco.
O lançamento por homologação prescinde da notificação de lançamento e não pode ser impugnado por não ter sentido o sujeito passivo notificar a si próprio ou impugnar o que ele mesmo fez.
Identificação da modalidade de lançamento
Há gente confundindo o lançamento “por declaração” com lançamento “por homologação”. Para diferenciar um do outro, proponho o seguinte procedimento.
Considere uma declaração de fato gerador correta e completa. Nessa hipótese, digamos que o valor do tributo devido, determinado pelo lançamento, esteja, por qualquer motivo, errado.
Se o erro for imputável ao Fisco, trata-se de lançamento por declaração. Caso contrário, trata-se de lançamento por homologação.
O Fisco cada vez mais utiliza sistemas computadorizados como ferramentas para receber declarações de fatos geradores, valorizar as obrigações tributárias e gerar as guias de pagamento correspondentes. São exemplos desse tipo de sistemas o que trata a “declaração do imposto de renda pessoa física”, o “Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional – PGDAS” e os sistemas que emitem as “notas fiscais de serviço eletrônicas”.
Aplicando-se o procedimento acima sugerido, conclui-se de imediato que os citados sistemas suportam lançamentos por declaração, pois o hipotético erro teria sido do sistema que valoriza a obrigação tributária, ou seja, da ferramenta utilizada pelo Fisco para determinar o valor do tributo devido, ou seja, do Fisco.
O certo é que nesses exemplos o Fisco, utilizando sistemas computadorizados, recebe declarações de matéria de fato, examina-as e lança o tributo correspondente, conforme autorizado pelo Art. 147 do CTN. O sujeito passivo paga o tributo depois de participação do Fisco, ao contrário do que ocorre no lançamento por homologação.
Por outro lado, não havendo lei que crie para o contribuinte a obrigação de fazer o lançamento dos tributos associados às declarações citadas acima, os créditos tributários correspondentes não podem estar sendo constituídos por lançamento por homologação, que exige lei que mande, expressamente, o sujeito passivo fazer o lançamento, dando-lhe, assim, poderes para isso.
Synchro Solução Fiscal Brasil
Roberto Loureiro
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