A padronização na identificação de mercadorias através da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) é uma peça chave para a administração tributária e logística de empresas que operam tanto no mercado interno quanto no comércio exterior brasileiro. Introduzido em 1995, a NCM é um sistema de classificação que, apesar de sua importância, ainda causa confusões e desafios para as empresas e profissionais da contabilidade. Este artigo aprofunda a importância da NCM, sua estrutura, relevância, e as complicações associadas ao seu uso incorreto.
O que é NCM
A Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) é uma Nomenclatura regional para categorização de mercadorias adotada pelo MERCOSUL desde 1995, sendo utilizada em todas as operações de comércio exterior dos países deste bloco, exceto a República Bolivariana da Venezuela que se encontra suspensa de todos os direitos e obrigações inerentes à sua condição de Estado Parte do MERCOSUL.
A NCM toma por base o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, mantido pela Organização Mundial das Alfândegas (OMA), que foi criada para melhorar e facilitar o comércio internacional e seu controle estatístico.
A Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) é fundamental para determinar os tributos envolvidos nas operações de comércio exterior (importação/exportação) e do mercado interno como Imposto de Importação (II), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), além disso, a NCM é obrigatória para emissão da nota fiscal eletrônica, também serve de base para o estabelecimento de direitos de defesa comercial, na valoração aduaneira, em dados estatísticos de importação e exportação, na identificação de mercadorias para efeitos de regimes aduaneiros especiais, de tratamentos administrativos, de licença de importação, benefícios fiscais, etc.
Os idiomas oficiais da NCM são o português e o espanhol.
A NCM possui a seguinte estrutura:
Regras Gerais para a Interpretação do SH e Regras Gerais Complementares: São seis Regras Gerais de Interpretação do SH e duas Regras Gerais Complementares;
Notas de Seção, de Capítulo, de Subposição e Complementares: Textos que fornecem esclarecimentos e interpretam o Sistema Harmonizado e também a nível de NCM, estabelecendo, detalhadamente, o alcance e conteúdo da Nomenclatura;
Nomenclatura: Lista dos códigos numéricos com oito dígitos apresentada sistematicamente, compreendendo 21 seções, compostas por 96 capítulos, sendo que o Capítulo 77 foi reservado para uma eventual utilização futura no SH e os Capítulos 98 e 99 foram reservados para usos especiais pelas Partes Contratantes. Os capítulos (dois primeiros dígitos) são divididos em posições (quatro primeiros dígitos), subposições (seis primeiros dígitos), item (sétimo dígito) e subitem (oitavo dígito) atribuindo-se códigos numéricos a cada um dos desdobramentos citados;
A NCM é composta por oito dígitos numéricos, sendo que os seis primeiros são formados pelo Sistema Harmonizado, enquanto o sétimo e oitavo dígitos correspondem a desdobramentos específicos atribuídos no âmbito do MERCOSUL.
A título de exemplo vejamos na figura abaixo a estrutura do código numérico da NCM:
IMAGEM
Atualmente a NCM vigente no Brasil vigora desde 01/04/2022 através da Resolução GECEX nº 272, de 19 de novembro de 2021 com suas respectivas atualizações e está em consonância com a VII emenda do Sistema Harmonizado vigente desde 01/01/2022.
Relevância do NCM para Empresas
A Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) constitui elemento central para a adequada classificação fiscal de mercadorias, tendo reflexos diretos tanto para o Fisco quanto para os contribuintes.
Do ponto de vista da Administração Tributária, a precisão na indicação da NCM é instrumento essencial para a efetividade da arrecadação, na medida em que viabiliza a correta identificação da natureza da mercadoria, a aplicação da alíquota devida e o enquadramento em regimes especiais de tributação. Uma classificação incorreta pode ensejar não apenas a perda de receita para o erário, mas também a configuração de fraude fiscal, sujeitando o contribuinte a autuações e penalidades previstas na legislação.
Para as empresas, a atribuição correta da NCM cumpre dupla função. Em primeiro lugar, garante a conformidade com as obrigações fiscais, reduzindo riscos de contingências tributárias, autuações e responsabilizações administrativas ou judiciais. Em segundo lugar, possibilita maior segurança jurídica no planejamento tributário, ao permitir a previsibilidade dos encargos incidentes sobre suas operações.
Adicionalmente, o adequado enquadramento da NCM possui repercussões operacionais relevantes. Ele contribui para a otimização da gestão de estoques, facilita processos logísticos e comerciais, e assegura coerência na emissão de documentos fiscais eletrônicos, especialmente em operações interestaduais ou de comércio exterior.
Cumpre destacar, ainda, a relação entre a correta classificação fiscal e a aplicação do regime de Substituição Tributária do ICMS. Por meio desse instituto transfere-se a responsabilidade pelo recolhimento do imposto a um elo anterior da cadeia, usualmente o fabricante ou o importador. Essa técnica de arrecadação não implica redução da carga tributária, mas sim sua antecipação e centralização, de modo a simplificar obrigações acessórias para os contribuintes subsequentes, reduzir o risco de inadimplemento e conferir maior eficiência ao controle fiscal.
Portanto, a correta utilização da NCM transcende a mera exigência formal, configurando-se como medida indispensável tanto para a integridade da arrecadação estatal quanto para a gestão estratégica e segura das atividades empresariais.
Riscos do Uso Incorreto do NCM
A atribuição incorreta da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) configura falha de natureza jurídico-tributária que pode ensejar consequências expressivas para os contribuintes, abrangendo aspectos fiscais, aduaneiros, operacionais e jurídicos.
- Riscos Fiscais e Tributários
- Autuações e penalidades: erros de classificação podem resultar na lavratura de autos de infração, com exigência de diferenças tributárias, multas e atualização monetária.
- Glosa de créditos fiscais: a classificação incorreta compromete a apropriação de créditos de ICMS, IPI, PIS e COFINS, o que pode elevar a carga tributária efetiva e reduzindo a competitividade da empresa.
- Equívocos na Substituição Tributária: a utilização indevida ou a omissão da ST em razão de NCM incorreta pode gerar recolhimento a menor ou a maior do ICMS, ensejando autuações, exigências retroativas e perda de previsibilidade no fluxo de caixa.
- Riscos Aduaneiros
- Retenção de mercadorias: em operações de importação ou exportação, erros na NCM podem gerar a necessidade de retificação das declarações aduaneiras, ocasionando atrasos logísticos, custos adicionais de armazenagem e quebra de contratos comerciais.
- Tributação indevida: a aplicação equivocada de alíquotas aduaneiras pode resultar em recolhimento superior ou inferior ao devido, com impactos financeiros relevantes e potenciais exigências complementares.
- Sanções específicas: a legislação aduaneira prevê multas específicas para erros de classificação, aplicáveis mesmo na ausência de dolo ou fraude, reforçando a responsabilidade objetiva do contribuinte.
- Riscos Operacionais e Comerciais
- Inconsistência em documentos fiscais eletrônicos: a utilização de NCM inexistente, inválida ou desatualizada pode acarretar a rejeição da NF-e pelos sistemas da Sefaz. Ainda que não haja validação automática entre a descrição comercial do produto e a NCM, divergências relevantes podem ser identificadas em fiscalizações, aumentando a probabilidade de questionamentos e autuações.
- Perda de enquadramento em benefícios fiscais: a classificação incorreta pode impedir o aproveitamento de reduções de base de cálculo, isenções ou créditos presumidos regularmente previstos, além de ensejar aplicação indevida ou omissão de regimes de Substituição Tributária.
- Passivos ocultos: a recorrência de equívocos na classificação pode gerar contingências fiscais acumuladas, muitas vezes detectadas apenas em fiscalizações, auditorias independentes ou processos de due diligence em operações societárias.
- Riscos Jurídicos
- Contencioso tributário: a divergência acerca da correta classificação fiscal é uma das matérias mais frequentes em autos de infração e processos administrativos e judiciais, exigindo a mobilização de recursos financeiros e jurídicos significativos para defesa.
- Responsabilização de administradores: nos casos em que se configure dolo, fraude ou simulação, os administradores podem ser responsabilizados pessoalmente pelos débitos tributários, nos termos do art. 135, III, do Código Tributário Nacional.
Assim, evidencia-se que o uso incorreto da NCM não se restringe a uma falha operacional, mas representa risco fiscal, aduaneiro, comercial e jurídico de alta materialidade, com potencial de comprometer tanto a regularidade tributária da empresa quanto sua estabilidade econômica e reputacional.
Como Identificar o NCM Correto
A identificação correta do NCM exige abordagem metodológica estruturada, que combine análise merceológica detalhada do produto com a aplicação rigorosa das normas jurídicas que regem a classificação fiscal. Esse processo deve ser documentado e passível de reprodução por terceiros, garantindo segurança jurídica e rastreabilidade.
- Análise Merceológica – o ponto de partida
A primeira etapa consiste na caracterização técnico-merceológica da mercadoria, a fim de identificar sua natureza essencial. Essa análise deve contemplar, sempre que possível, informações como:
- Função principal e usos ordinários do produto;
- Composição e materiais constitutivos (percentuais, quando determinantes);
- Processo de fabricação e grau de elaboração (matéria-prima, semiacabado, produto acabado);
- Forma de apresentação e estado físico (a granel, embalado para venda a retalho, líquido, sólido, kit, conjunto, parte/peça etc.);
- Características técnicas relevantes (dimensões, potência, teor, pureza, densidade, conectividade, gramatura, etc.);
- Setor de aplicação (industrial, médico, alimentício, químico, têxtil, eletrônico, etc.);
- Regulamentações específicas (ANVISA, INMETRO, MAPA, ANATEL, ABNT/NBR);
- Documentos de suporte (catálogos, fichas técnicas, laudos laboratoriais, datasheets, FISPQ/MSDS, fotografias).
Sem uma análise merceológica robusta, a aplicação das Regras Gerais de Interpretação (RGIs) tende a ser imprecisa e sujeita a autuações fiscais.
- Aplicação das Normas Jurídicas de Classificação
Com base na descrição merceológica, passa-se à aplicação das Regras Gerais de Interpretação (RGI 1 a 6), observando-se em sequência:
- RGI 1: prevalência do texto legal das posições, subposições e Notas de Seção/Capítulo;
- RGI 2(a) e 2(b): tratamento de produtos incompletos/semimontados e de misturas;
- RGI 3: critérios de especificidade, caráter essencial e posição numérica em casos concorrentes;
- RGI 4: classificação por analogia quando não houver enquadramento direto;
- RGI 5: regras para estojos, embalagens e recipientes próprios;
- RGI 6: aplicação da lógica de interpretação também às subposições.
Além das RGIs, é indispensável confrontar a análise com as Notas Explicativas do Sistema Harmonizado (NESH), que esclarecem escopos, exemplos e exclusões, reforçando a fundamentação técnica.
- Ferramentas de Apoio à Classificação
O uso de sistemas de busca deve ser complementar à análise normativa:
- O Classif (Portal Único do Comércio Exterior) permite pesquisas por código ou palavra-chave, além da navegação na árvore hierárquica da NCM.
- Deve ser utilizado como instrumento de apoio para levantar hipóteses, mas a decisão final decorre sempre da interpretação normativa vinculada às RGIs.
- Outras fontes auxiliares incluem: pareceres da Receita Federal, soluções de consulta, decisões da OMA e jurisprudência administrativa (CARF).
- Formalização e Governança da Classificação
Após a determinação da NCM, recomenda-se:
- Redigir descrição fiscal clara e suficiente nos documentos (NF-e, DI/DU-E), destacando atributos que sustentem a classificação;
- Elaborar um Memorial de Classificação, contendo: ficha merceológica, fundamentação normativa (RGIs aplicadas, posições descartadas), decisão final e responsáveis;
- Definir gatilhos de revisão da classificação: alteração na composição ou processo produtivo, atualização normativa (TIPI/TEC/Notas), mudança de finalidade de uso ou atualização regulatória;
- Implementar controles internos e auditorias periódicas, além de capacitar continuamente as equipes envolvidas.
Assim, a correta identificação do NCM não se limita à consulta em bases de dados, mas resulta da combinação entre análise merceológica precisa, aplicação normativa criteriosa e formalização documental adequada, garantindo segurança jurídica e mitigação de riscos fiscais.
Superando Desafios: Correção de Erros no NCM
A detecção de erros na atribuição da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) demanda atuação imediata e juridicamente adequada, uma vez que a classificação incorreta pode gerar impactos tributários, aduaneiros, operacionais e jurídicos. O tratamento a ser dado ao equívoco depende do estágio da operação e da natureza da mercadoria (importada ou nacional).
- Mercadorias Importadas
- a) Antes do Registro da Declaração de Importação (DI/DUIMP)
- O erro pode ser sanado nos documentos comerciais (fatura, invoice) e nos sistemas internos da empresa (ERP).
- Não há penalidade fiscal nessa fase, pois não houve formalização junto ao Fisco.
- Atenção: se a NCM incorreta estiver vinculada a mercadoria sujeita a tratamento administrativo (Anvisa, MAPA, Inmetro etc.), a ausência de solicitação da Licença de Importação (LI) pode resultar em retenção posterior, exigência de regularização retroativa e aplicação de sanções administrativas pelos órgãos anuentes.
- b) Após o Registro, mas Antes do Desembaraço Aduaneiro
- Correção por meio de retificação da DUIMP no Portal Único.
- Alguns campos podem ser corrigidos diretamente; outros dependem de anuência da Receita Federal.
- Enquanto o despacho não é concluído, o ajuste tem caráter corretivo, mitigando riscos de penalidade.
- c) Após o Desembaraço Aduaneiro
- Possibilidade de pedido de retificação da DUIMP, sujeito à análise da Receita Federal.
- A empresa pode adotar a denúncia espontânea (art. 138 do CTN), recolhendo diferenças de tributos com juros, mas sem multa de ofício.
- Contudo, o Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009, art. 711, I) prevê multa específica de 1% sobre o valor aduaneiro pela classificação incorreta, limitada a 10% do valor total das mercadorias constantes na DUIMP, aplicável mesmo em casos de denúncia espontânea.
- d) Em Fiscalização Posterior
- Caso o erro seja identificado em auditoria da Receita, haverá autuação com exigência dos tributos devidos, acrescidos de multa de ofício (75% a 150%, art. 44 da Lei nº 9.430/1996) e juros SELIC.
- Nesta etapa não cabe denúncia espontânea.
- e) Consulta de Classificação Fiscal – Medida Preventiva
- A empresa pode apresentar Consulta de Classificação Fiscal à Receita Federal (Decreto nº 70.235/1972 e Decreto nº 7.574/2011), cujo resultado tem efeito vinculante e impede autuação futura para aquele produto.
- Mercadorias Nacionais (Produzidas ou Comercializadas no Mercado Interno)
- a) Antes da Emissão da Nota Fiscal
- O erro pode ser corrigido no cadastro interno do produto, sem reflexos fiscais.
- Recomenda-se revisão periódica do cadastro de itens e validação merceológica prévia.
- b) Após a Emissão da Nota Fiscal, mas Antes da Circulação da Mercadoria
- A NF-e pode ser cancelada dentro do prazo legal (normalmente 24h, podendo variar por UF).
- Emite-se nova NF-e com a NCM correta.
- c) Após a Circulação da Mercadoria
- Regularização por meio de Carta de Correção Eletrônica (CC-e), quando permitido pela legislação estadual, desde que a correção não altere a descrição essencial da mercadoria.
- Caso a UF não aceite CC-e para correção de NCM, é necessário emitir NF de estorno e nova NF com dados corretos.
- d) Em Fiscalização Posterior
- O Fisco pode exigir ajustes retroativos em obrigações acessórias (SPED Fiscal, EFD-Contribuições).
- Possibilidade de glosa de créditos fiscais (ICMS, IPI, PIS/COFINS) e aplicação de multas administrativas por documento fiscal emitido incorretamente.
Prevenindo Erros no NCM
Prevenção é sempre a melhor política. As ações preventivas deveriam incluir um aprofundado entendimento sobre cada produto, utilizando as ferramentas oficiais como a tabela NCM e as Notas Explicativas do Sistema Harmonizado (NESH). A importância de um catálogo de produtos atualizado não deve ser subestimada.
O treinamento da equipe envolvida na classificação também se faz essencial. Adicionalmente, é importante contar com o suporte de especialistas, como despachantes aduaneiros e consultores tributários, que possuem o conhecimento e ferramentas necessárias para assegurar a precisão na classificação fiscal.
Consulta Formal e Revisões Periódicas
Quando houver dúvidas persistentes sobre a classificação NCM de um produto, e considerando o potencial impacto fiscal, as empresas podem formalizar uma consulta junto à Receita Federal. Essa consulta oferece segurança jurídica para a classificação adotada, sendo a resposta vinculante.
Finalmente, a constante atualização das regras da NCM e do Sistema Harmonizado demanda que cada empresa faça revisões periódicas das classificações dos seus produtos. Isso assegura que as classificações continuam a ser válidas e conformes com as mais recentes exigências regulatórias.
Considerações Finais
A correta utilização da NCM nas notas fiscais vai além de um mero cumprimento de uma obrigação burocrática. Trata-se de uma estratégia essencial para a otimização fiscal, conformidade regulatória e eficiência operacional. A precisão na classificação é um investimento que, a longo prazo, proporciona segurança jurídica, evita multas e potencializa a competitividade das empresas no mercado global.
Ao priorizar o correto entendimento e aplicação do NCM, empresas não apenas cumprem com suas responsabilidades fiscais, mas também se posicionam de maneira mais estratégica em seus respectivos setores, explorando todas as oportunidades possíveis de alívio tributário e eficiência gerencial.
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