Para compreendermos o instituto da “coisa julgada” e, consequentemente, entendermos a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nos Recursos extraordinários RE 955227 (Tema 885) e RE 949297 (Tema 881) que determinou a volta do pagamento da CSLL desde 2007 para diversas empresas, é fundamental olharmos para o Código de Processo Civil (CPC), instituído pela Lei nº 13.105/2015.
O artigo 502 do CPC estabelece o conceito de coisa julgada material como ‘a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso’. Dando continuidade, o referido código complementa no artigo 505 que “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide…”. É nesse momento que o Legislador trouxe as exceções à coisa julgada, ao estabelecer, no inciso I do mesmo artigo 505, que, poderá o Juiz decidir questões já decididas relativas ao mesmo caso “se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;” Ainda, nesse contexto, vale ressaltar que o legislador se preocupou não só em trazer as ressalvas à coisa julgada, como também determinar sobre quais situações não se opera a coisa julgada, como “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença” e “ a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.”
Em 2007, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 15), o Supremo tribunal Federal determinou que contribuintes que até então tinham decisões favoráveis com trânsito em julgado para o não recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido voltassem a pagá-la (CSLL). Ao julgar a ADI em comento, o STF reconheceu a constitucionalidade da Contribuição. Diversos recursos foram interpostos questionando os limites da coisa julgada. A análise recente do Supremo ao julgar os Recursos extraordinários RE 955227 (Tema 885) e RE 949297 (Tema 881), com repercussão geral reconhecida, recaiu exatamente sobre esse tema.
A tese fixada foi a seguinte:
“1 – As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
2 – Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.”
Noutras palavras, o que os Ministros decidiram, por unanimidade, é que um determinando contribuinte amparado por uma decisão judicial transitada em julgado que garantia o não pagamento de um tributo perde o seu direito quando a Corte firma um novo entendimento que passe a considerar a cobrança tributária constitucional. Sempre que uma decisão dessa natureza for proferida em Ação Direta ou em sede de Repercussão Geral, a perda do direito será automática.
Então podemos entender que contribuintes que não pagaram a CSLL desde 2007 vão ter que recolher retroativamente? Segundo a decisão do Supremo Tribunal Federal é exatamente isso.
Outro aspecto importante a considerar se trata da modulação de efeitos da decisão. Nos recursos julgados os contribuintes pediam ao STF que, caso a ação fosse julgada improcedente para eles, que a cobrança só ocorresse a partir da publicação da ata de julgamento de mérito dos recursos, ou seja, somente agora no ano de 2023. Contudo, a questão foi negada, de modo que a cobrança será aplicada retroativamente desde 2007. Os Ministros também firmaram entendimento no sentido de que a cobrança de um tributo reconhecido como constitucional pelo STF deve respeitar os princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal. No caso da CSLL, deve respeitar o prazo de 90 dias para ser cobrado (Anterioridade Nonagesimal).
Diante de questionamentos sobre uma suposta insegurança jurídica, o Ministro Roberto Barroso explicou que “A insegurança jurídica não foi criada pela decisão do Supremo. A insegurança jurídica foi criada pela decisão de, mesmo depois da orientação do Supremo de que era devido, continuar a não pagar e a não provisionar. (…) Se você for num cassino e fizer uma aposta você está num quadro de insegurança jurídica e pode ganhar ou perder. De modo que a partir do momento em que o Supremo diz que o tributo é devido, quem não pagou ou provisionou fez uma aposta”. A Ministra Rosa Weber também se posicionou no sentido de que é preciso proteger a isonomia tributária e que a modulação de efeitos é que traria insegurança jurídica. Os Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, Edson Fachin, por exemplo, foram favoráveis à modulação, de forma que a decisão passasse a produzir efeitos somente em 2023 (recolhimento da CSLL somente agora em 2023). O resultado foi de 6×5 para negar a modulação de efeitos.
Findo o julgamento, a decisão da Suprema Corte sobre o recolhimento retroativo da CSLL chegou ao Poder Legislativo. Parlamentares já apresentaram perante a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, no dia 13/02/2023, o PL 512/2023, que institui o Programa Especial de Regularização Tributária do Fim da Coisa Julgada junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Segundo o PL, poderão aderir ao programa as “pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado, inclusive aquelas que se encontrarem em recuperação judicial, que façam prova, nos termos de regulamento, de serem detentoras de ações judiciais transitadas em julgado às quais se apliquem as teses números 881 e 885 de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, ainda que relativos a outros tributos”.
Questionamentos diversos devem surgir no ambiente jurídico sobre o tema, interpretando a questão em seus mais variados sentidos, o que é natural e salutar para evolução das ciências jurídicas. No entanto, vale ressaltar que a decisão proferida no Supremo Tribunal Federal é de observância obrigatória, foi tomada em sede de repercussão geral e valerá para todos os casos semelhantes que corram em outras instâncias.
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